O microbioma oral, composto por trilhões de microrganismos que habitam nossa boca, é um campo de estudo que conecta o passado à medicina moderna. Pesquisas recentes sugerem que ele pode desempenhar um papel fundamental na melhoria da saúde contemporânea.
Laura Weyrich, microbiologista e professora associada da Penn State University, lidera esforços nessa área, investigando como os microbiomas de nossos ancestrais podem oferecer soluções para doenças atuais.
Conexão entre o microbioma oral e a saúde sistêmica
O microbioma oral é o segundo maior conjunto de microrganismos do corpo humano, atrás apenas do intestinal. Ele influencia não apenas a saúde bucal, mas também o bem-estar geral.
Estudos indicam que inflamações e bactérias nocivas na boca podem entrar na corrente sanguínea, contribuindo para condições crônicas, como doenças cardiovasculares, diabetes e artrite.
Além disso, o microbioma oral é influenciável por fatores como dieta, estilo de vida e histórico evolutivo. Outros agentes como o uso de antibióticos, tabagismo, poluição, bem como o consumo de alimentos processados também podem afetar negativamente sua composição, aumentando a suscetibilidade a doenças.
Pesquisas recentes também mostram que o microbioma oral pode estar ligado a doenças respiratórias, como pneumonia e exacerbação da asma, devido à migração de micróbios da boca para as vias aéreas.
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A história evolutiva do microbioma oral
Weyrich e sua equipe estudaram o cálculo dental — placa dentária calcificada (tártaro) — de 235 indivíduos britânicos que viveram entre 2200 a.C. e 1853, além de 127 britânicos modernos. Essa análise revelou uma transformação significativa no microbioma oral após a pandemia da peste bubônica no século XIV.
Durante esse período, mudanças na dieta podem ter alterado a composição microbiana. Por exemplo, a morte de até 60% da população europeia gerou mais acesso a alimentos e melhores condições de vida para os sobreviventes. No entanto, é possível que fatores sociais ou culturais também tenham influenciado essa mudança.
O estudo destacou que os microbiomas antigos e modernos de uma mesma população variam consideravelmente, refletindo mudanças históricas e ambientais.
Impacto de fatores modernos no microbioma oral
Além das mudanças históricas, fatores modernos também desempenham um papel crucial na configuração do microbioma oral. O consumo de álcool, por exemplo, tem sido associado a uma redução na diversidade microbiana, o que pode aumentar o risco de doenças bucais e sistêmicas.
O uso indiscriminado de antibióticos também pode perturbar o equilíbrio microbiano, reduzindo assim populações de bactérias benéficas e permitindo o crescimento de patógenos.
Além disso, práticas inadequadas de higiene bucal, como escovação irregular ou uso excessivo de enxaguantes bucais contendo álcool, também podem comprometer o microbioma saudável.
Ao mesmo tempo, a introdução de probióticos específicos pode ser uma alternativa para restaurar o equilíbrio microbiano e prevenir problemas bucais.
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Transplantes de microbioma oral: uma promessa terapêutica
A pesquisa de Weyrich resultou na criação de um projeto inovador: transplantes de microbioma oral. Essa técnica envolve transferir micróbios benéficos de doadores saudáveis para pacientes, visando assim tratar doença periodontal.
A aplicação de soluções ou géis microbianos diretamente nas gengivas e dentes permite a colonização de bactérias benéficas na boca. Esse tratamento oferece esperanças para a população idosa, principalmente para os 70% de pessoas com mais de 65 anos que sofrem de doenças periodontais.
Estudos preliminares em modelos animais sugerem que os transplantes podem prevenir cáries dentárias, bem como reduzir inflamações. Além disso, a conexão entre o microbioma oral e o intestinal também está sendo investigada.
Isso porque, há indícios de que microrganismos da boca que chegam ao trato digestivo podem influenciar a composição do microbioma intestinal, contribuindo para a saúde geral ou o desenvolvimento de condições crônicas.
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Diferenças culturais e genéticas no microbioma oral
Os microrganismos existentes na cavidade bucal variam amplamente entre diferentes populações. Por exemplo, ao trabalhar com comunidades aborígenes australianas, Weyrich descobriu que essas populações possuem microbiomas únicos, alguns contendo micróbios associados a cupins — uma importante fonte de alimento no passado.
Mesmo com a mudança para uma dieta ocidental, esses micróbios persistem, possivelmente influenciando a saúde de formas que ainda estão sendo investigadas.
Essa diversidade microbiana destaca a importância de desenvolver tratamentos personalizados e equitativos, uma vez que, para garantir eficácia, os transplantes de microbioma oral devem levar em conta o histórico evolutivo e cultural do paciente.
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Superando desafios em pesquisas antigas
Estudar microbiomas antigos apresenta desafios significativos, como a contaminação de amostras. Então, para evitar problemas, o laboratório de Weyrich utiliza reagentes rigorosamente testados, como o Kit DNeasy PowerSoil Pro da QIAGEN.
Esses reagentes reduzem a interferência de micróbios modernos, permitindo análises precisas de DNA antigo.
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Impacto futuro na medicina moderna
Entender a história evolutiva do microbioma oral é essencial para desenvolver terapias eficazes. Afinal, esse trabalho pode transformar o tratamento de doenças crônicas e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas.
Ao utilizar conhecimentos do passado, a ciência está avançando para criar soluções inovadoras que beneficiem as gerações futuras. Para Weyrich, esse é o verdadeiro valor de sua pesquisa: usar a arqueologia e a antropologia para moldar o futuro da medicina.
Por fim, a pesquisa sobre o microbioma oral tem conexões interessantes com outros temas microbiológicos, como o impacto do microbioma da pele na produção de cosméticos e os desafios na análise do microbioma do solo para a agricultura sustentável.
Se quiser saber mais, acesse os conteúdos completos:
Analisando o microbioma da pele com dPCR na produção de cosméticos
Superando os desafios da análise do microbioma do solo
Parte desse conteúdo foi traduzido e adaptado do conteúdo “Could the ancient oral microbiome be the key to improving modern health?”. Clique e confira o conteúdo no perfil global QIAGEN.
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Referências
QIAGEN. Could the ancient oral microbiome be the key to improving modern health?
https://www.qiagen.com/br/customer-stories/could-the-ancient-oral-microbiome-be-the-key-to-improving-modern-health?intcmp=atlas391 (acesso em 12 de novembro de 2024).
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